Quem me conhece bem sabe que me interesso muito por assuntos de guerra. Acabei de ler “As crianças de Himmler” (Record), escrito por Caroline de Mulder, que o jornal francês Le Figaro avaliou como “romance que tem a força de um documentário”.

O texto fala do hospital para partos criado para que as mulheres tivessem filhos gerados por soldados da SS. Foi a primeira maternidade do programa Lebensborn, com o propósito de oferecer um ambiente harmonioso às mães de “sangue puro”, como diziam os nazistas, e aos recém-nascidos de sangue ariano com o objetivo de “purificar” a Alemanha e transformar as crianças em futuros senhores da guerra.

Caroline de Mulder conta a história de duas mulheres, Helga e Renée, e de Marek, polonês prisioneiro de um campo de concentração.

As parturientes têm o apoio de uma enfermeira, mas o polonês sofre por ter se casado com uma sa. O casal se unira secretamente no ano anterior. Desde 1942, poloneses não tinham o direito de se casar sem permissão das autoridades, quase sempre negada. Mesmo assim, casavam-se na igreja, com a cumplicidade dos padres.

Crianças nascidas desses casamentos clandestinos eram raptadas e deportadas para o Reich, perdia-se qualquer pista delas. “O bebê de Wanda vai nascer no fim de dezembro. Um bebê de Natal. Se ela não conseguir abrigá-lo, ele desaparecerá, e, pensando nisso, o filho lhe parece ainda mais distante, mais abstrato”, escreve Mulder.

Mais adiante: “Barulho do braço caindo no balde metálico. Bracinho azul, violáceo. Helga franze os lábios ao ver o membro minúsculo no recipiente de aço, os dedinhos dobrados como durante o sono. Vai dando os instrumentos ao doutor Kleine à medida que ele pede. Na mesa de parto, um menininho amputado até o ombro, de 3 anos, boneca de cera anestesiada com clorofórmio. O garotinho faz parte do comboio de crianças feridas que chegou de Berlim na véspera. Falta uma meia dúzia para tratar depois dele.”

Marek consegue furar o bloqueio do SS e pega um pedaço de pão no lixo.

“O jovem SS que os vigia ainda não voltou, os outros prisioneiros não dirão nada, mas é preciso dar um sumiço o mais depressa possível a qualquer vestígio da fuga e de qualquer atraso no trabalho. Logicamente, sua ausência não pode ter durado mais de alguns minutos, mas sua impressão é de que esses minutos se dilataram como horas. Ele suga fragmentos vegetais que ainda tem na boca. Isso o acalma. O que sente contra os dentes e a língua deve ser um talo, de maçã talvez, e ele o tritura lentamente entre os molares, movimentando levemente a mandíbula, da esquerda para a direita. Nesse talo deve haver alguma coisa que alimente, seiva talvez, e que salve. Ainda está transpirando, mas tem as mãos geladas. Engole o talo”, descreve a autora.

Gosto de ler esse tipo de livro porque nos lembra do que aconteceu. E de que não devemos esquecer os horrores cometidos em nosso tempo.

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